Políticas Públicas e Infanticídio

Um Esclarecimento a respeito da Missão da ATINI

 

A ATINI – Voz Pela Vida, foi criada em 2006, com a proposta de dar voz aos indígenas que não concordam com a prática do infanticídio em suas comunidades de origem. Foi a partir do clamor desses indígenas, considerados “desviantes” pelo seu grupo étnico, que a ATINI se constituiu. O objetivo, então, foi possibilitar amparo a esses indígenas que não concordavam com a prática do infanticídio, seja ela exceção ou não.
Nesse sentido, a ATINI não se coloca como uma voz que pede à legislação brasileira a punição ou criminalização dos grupos indígenas que praticam, sistemática ou assistematicamente, o infanticídio, já que compreende que as leis da sociedade brasileira não podem ser aplicadas indiscriminadamente a grupos étnicos que fazem parte do território nacional mas que têm autonomia de organização social e têm uma visão-de-mundo extremamente diferenciada. Em conformidade com sua missão expressa, a ATINI dá voz e acolhe os indígenas que pedem ajuda para livrar do infanticídio crianças com as quais guardam algum grau de parentesco.

A falta de políticas públicas voltadas para atender as necessidades dos povos indígenas, seja de ordem da saúde, seja de ordem de acolhimento aos que não querem se submeter às leis da maioria, como acontece em qualquer sociedade, tem levado os indígenas “desviantes” a pedir socorro a organizações não-governamentais, como é o caso da ATINI. Nesse sentido, a ATINI não tem pretensão de colocar-se como detentora de qualquer tipo de expertise sobre o assunto, mas tem o compromisso de ACOLHER e DAR VOZ aos indígenas que pedem ajuda para que suas crianças não sejam submetidas ao infanticídio e LUTAR para que o Estado Brasileiro ofereça condições para, como deve ser seu compromisso, atender aos pedidos desses indígenas.

Sabe-se que, em qualquer sociedade, em qualquer cultura, há violações e mesmo em relação a práticas culturais aceitas pela maioria, como é o caso da ablação ou extirpação do clitóris de meninas entre 8 e 12 anos, em algumas sociedades, há os que não concordam com elas e que não querem se submeter ao que consideram algo que precisa ser mudado em suas sociedades. Há algo de errado em discordar dessa prática? Há algo de errado em pedir que o Estado acolha essas crianças e seus parentes que não concordam com essa prática? As organizações que acolhem essas crianças e esses indivíduos “desviantes” devem ser acusadas e proscritas? Não é sobre isso que, verdadeiramente, versa a Declaração Universal dos Direitos Humanos?

Esses indivíduos, como quaisquer outros na mesma situação estrutural de outras sociedades, também têm o direito de não se submeterem às regras coletivas que consideram fonte de sofrimento e de arbitrariedade, que, aliás, existem em toda e qualquer sociedade. E mais, têm o direito de ter o direito à escolha garantido, por meio de políticas públicas.

Um outro exemplo mais próximo é o que envolve o machismo, um dos traços culturais de várias sociedades, inclusive as latino-americanas, e que tem produzido atos de violência gravíssimos contra as mulheres. Apesar da coletividade não aprovar isso e existirem leis que apontam para a criminalização dos que praticam esses atos, sabe-se que há uma certa complacência e mesmo omissão por parte da sociedade, inclusive por parte de muitas mulheres que se submetem, por vários motivos, a essa violência, muitas vezes classificada como “normal”. Isso não significa, porém, que essa violência não deva ser combatida por todos, sobretudo pelo Estado, não apenas por leis, mas por políticas públicas que protejam as mulheres e possibilitem a elas uma situação alternativa de vida.

Se o infanticídio não é uma prática cultural ou uma prática tradicional, como defendem alguns, se é apenas uma situação marginal, que não faz parte das regras sociais, os que pedem ajuda quando acometidos por ele ou pela ameaça dele precisam ser assistidos, preferencialmente pelo Estado.

A ATINI compreende que os povos indígenas não precisam de leis intrusivas ou punitivas do Estado. Mas esta organização apóia, por outro lado, qualquer iniciativa governamental, dentro ou fora do âmbito legislativo, que garanta aos povos indígenas acesso às políticas públicas. A criminalização do infanticídio não é, portanto, uma bandeira da ATINI. Esta organização reconhece a diversidade cultural que há no Brasil e a respeita. A ATINI afirma que os povos indígenas precisam de políticas públicas que propiciem, entre outras coisas, que os indígenas “dissonantes” da maioria ou não, tenham assegurado seu direito de não concordar, de mudar. Aliás, todas as sociedades são dinâmicas, do ponto-de-vista cultural. Com as sociedades indígenas não é diferente.

A bandeira da ATINI é tão-somente seu compromisso em atender e dar voz aos indígenas, considerados “desviantes” ou não, que pedem ajuda para livrar seus filhos ou netos do infanticídio e isso deve ser levado em conta, não só pelo Estado, mas pelas associações de intelectuais e pesquisadores renomados e reconhecidos pelos seus estudos e pesquisas nas áreas das ciências sociais e dos direitos humanos.

Brasília, 11 de agosto de 2009.

Conselho Deliberativo da ATINI