Kanhu Raka é uma menina de 9 anos que só agora começou a ver a luz do dia. Hoje, ela não quer nem saber de voltar a viver no escuro. A luz começou a brilhar para essa indiazinha Kamayurá, ajude-nos a mantê-la acesa.

Os Kamaiurá não aceitam crianças com nenhum tipo de deficiência física ou mental. Geralmente bebês que nascem com problemas são enterrados logo depois do parto. Quando o problema se manifesta mais tarde, como no caso de Kanhu, a criança geralmente escapa de ser sacrificada, mas passa a ser vítima do que é chamado de “morte social”. Kanhu escapou de ser enterrada viva, mas passou a viver totalmente reclusa, numa cápsula escura improvisada dentro da maloca, forrada com cobertores e redes. Ela crescia sem poder brincar pela aldeia com as outras crianças, escondida e afastada dos olhares desconfiados da comunidade. Aos poucos seu estado foi piorando e ela perdeu a capacidade de andar. Seus pés e mãos foram se atrofiando e ela era atormentada por dores pelo corpo.

Kanhu Raka nasceu no Parque Indígena Xingu. A primeira filha de Makaw e Maitsuwy, neta do cacique geral dos Kamayura. Passou por todos os rituais e foi tratada com muito carinho por todos os familiares da casa comunitária.

A preocupação para a família só chegou mais tarde, quando Kanhu estava com cerca de quatro anos. A menina passou sentir fraqueza nas pernas e a cair com frequência. A família a levou no posto de saúde da aldeia mas ninguém soube dizer qual era o problema. A situação foi piorando a ponto de Kanhu não conseguir mais ficar em pé e ter que ser carregada pelos pais. Nessa época o preconceito da comunidade começou a se manifestar.

Kotok Kamayurá, o avô de Kanhu, procurou ajuda de uma equipe da ATINI que visitava a aldeia na época do ritual Kwaryp. Me lembro que entramos na maloca e fomos levados até a “cápsula” onde Kanhu era mantida reclusa. O lugar era tão escuro que nosso único contato com ela foi através do toque. No dia seguinte voltamos lá com uma lanterna e conseguimos ver o rostinho lindo e sorridente da menina. A família estava passando por um momento muito difícil e nos pediu ajuda.

Levamos Kanhu para fazer exames no Intituto Genoma, da USP, e o diagnóstico foi claro – Distrofia Muscular Progressiva do tipo Cinturas. Doença incurável e debilitante. A família de Kanhu decidiu não voltar a aldeia com ela e tentar um tratamento para melhorar a qualidade de vida da menina. A ATINI providenciou casa, alimentação e acompanhamento para Kanhu e sua família. Hoje, três meses depois, Kanhu parece outra criança. Alegre, não vê a hora de fazer fisioterapia (são três sessões diárias!), de estudar e de brincar com as outras crianças. Aos poucos ela vai se recuperando dos estragos causados pelo longo período de isolamento – já não sente dores e consegue caminhar pequenas distancias! A ATINI está dialogando com os junto aos Kamayurá visando a possível reintegração de Kanhu na sua comunidade. Enquanto isso, a família decidiu permanecer em Brasília, onde Kanhu pode se tratar e se desenvolver com liberdade.