Criança indígena não tem direito à família?
Existe entre nós um universo de crianças que não merecem ter uma família?

Será que o bom senso que rege os direitos fundamentais de todas as crianças brasileiras, deva estar ausente para as crianças indígenas? A constituição brasileira, ao abraçar a doutrina da proteção integral e garantir a TODAS as crianças brasileiras o direito fundamental à família, teria excepcionado à criança indígena o amor parental, privando-a da alegria de pronunciar a palavra “pai e mãe” em qualquer língua que seja, em prol do respeito aos seus costumes? Ao menos esta é a constatação que se pode abstrair de certos raciocínios que se amparam numa ótica unifocal de uma importante questão que envolve alguns raros casos de crianças indígenas, que em caráter excepcionalíssimo, acabam por absoluta falta de opções, devido às incessantes omissões dos órgãos tutores, colocada em lares brasileiros não indígenas, através de adoção.

Certamente, não é possível a escolha aleatória dentre direitos fundamentais tão especiais, quando um deles é essencial para o próprio desenvolvimento do indivíduo. E todo mundo sabe: Criança precisa de família para se desenvolver de forma sadia. Assim, índios, brancos, amarelos, negros, mamelucos, cafusos, e outras tantas variantes étnicas que já caíram em desuso, são todos brasileiros, portadores de direitos fundamentais que devem ser abraçados pela mesma constituição.

O caso dos índios, rejeitados em suas tribos por questões culturais, e que se encontram, com o conhecimento dos órgãos tutores jogados em abrigos, à mercê da própria sorte em algumas comarcas do País, merece total atenção da justiça.

São CRIANÇAS acima de tudo, e encontram-se privadas por longos anos, de fases importantes de seu desenvolvimento ante as omissões do Estado, no cumprimento de seu papel de tutela destes indivíduos, que perante as circunstâncias de abandono em que se encontram, já romperam completamente com a cultura indígena e são rejeitados por seus pares.

Juízes e Promotores de Justiça da Infância e Juventude, são acima de tudo, guardiões de uma infância UNA, que merece respeito em igualdade de condições.

Negar o direito fundamental à família para crianças indígenas que estão esquecidas por anos em abrigos com o pleno conhecimento da FUNAI, após esgotados todos os meios de manutenção de sua cultura e laços parentais biológicos, negando-lhes o direito de sorrir e resgatar a dignidade humana que se estabelece primeiramente através dos laços de família, sob o pretexto cívico de preservar-lhes a identidade indígena, é por demasiado cruel e desumano.

A linguagem crítica, que se estabelece em torno desta mesma questão, é formada o mais das vezes, por muitos, que sequer têm acesso às informações mínimas sobre as reais condições destas crianças indígenas, que certamente perpassa pela gritante necessidade de demarcação de suas terras e se prolonga através de conflitos e embates jurídicos seculares, impondo aos índios condições indignas de vida em muitos recantos deste País, em situação humilhante, que é de conhecimento público.

A subversão da cultura indígena, transformada em cultura “brasileira” através de intervenções jurídicas na forma de adoção nestes casos excepcionais, é a validação do direito à vida de pequenos indivíduos, que se estabelece em princípios elementares de bom senso.
É preciso que se reconheça o tamanho da ausência do Estado em tão relevantes questões, e é preciso que se faça URGÊNCIA onde ela realmente existe.

A criança não pode esperar nem pagar a conta de tantas omissões.

Ariadne de Fátima Cantú da Silva, Promotora de Justiça (Campo Grande-MS)
e Coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança Indígena da ABMP
ABPM, 26-02-2008