Sobre a situação da bebê indígena enterrada viva em Canarana-MT

A ATINI – Voz pela Vida vem a público manifestar-se em relação ao caso da bebê indígena enterrada viva, no último dia 05, em Canarana-MT, e expressar sua preocupação com relação à prisão preventiva da bisavó da criança, e com relação às manifestações de hostilidade contra toda a família envolvida.

De acordo com notícias veiculadas sobre a investigação, a tentativa de homicídio teria ocorrido pelo fato de a mãe da criança ser mãe solteira, o que não seria aceito pelos costumes da tribo de origem. Outra versão informa que a família teria pensado que a bebê estava morta, por não ter chorado e enterrou-a no quintal, conforme suas tradições.

Qualquer das versões sustentadas neste caso, envolvem questão cultural: seja a versão de que a criança teria nascido morta e enterrada em casa, em virtude de costume, seja a versão de que ela teria sido enterrada viva por ser filha de mãe solteira. Esta última hipótese, a do “infanticídio indígena”, é, na realidade, homicídio, pois não se verifica o estado puerperal como determinante para a prática. O “infanticídio indígena” é uma prática ainda realizada em algumas tribos brasileiras, em relação a crianças portadoras de deficiência, gêmeos, para seleção de sexo ou filhos de mãe solteira, como é o caso em tela.

A ATINI – Voz pela Vida foi pioneira, no Brasil em, (i) denunciar a prática do infanticídio indígena e do puxirum (estupro coletivo) em algumas aldeias do Brasil e (ii) acolher e apoiar famílias indígenas que não aceitam tais práticas culturais, consideradas nocivas, contra seus filhos, além de apoiar políticas públicas em favor do auxílio dessas famílias. Foi, justamente, o pioneirismo da ATINI – Voz pela Vida, que a colocou no centro de grandes polêmicas e perseguições, inclusive. Vale ressaltar que os próprios indígenas, aliados a ONG’s que atuam na defesa do direito das crianças indígenas, como é o caso da ATINI – Voz pela Vida, vêm combatendo a prática do infanticídio.
Depois de 10 (dez) anos de atuação, a ATINI – Voz pela Vida comemora a elaboração de Projeto de Lei, já aprovado na Câmara dos Deputados, que tramita atualmente no Senado Federal (PLC 119/2015), o qual prioriza a vida da criança indígena e o diálogo e educação em Direitos Humanos.
É necessário salientar que esta prática é amplamente conhecida pelo Estado, por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e dos Ministérios Públicos – Federal e Estadual – e vem sendo objeto de discussão sistemática por órgãos competentes e sociedade civil, inclusive grupos indígenas, há mais de 10 (dez) anos. Entretanto, por tempo demais, o Estado negou a existência da prática. Era muito mais fácil aceitar o argumento cultural em detrimento de fomentar políticas públicas para possibilitar a sobrevivência das crianças, e o bem-estar físico e emocional dos pais envolvidos. Apesar do conhecimento do Ministério Público e da FUNAI acerca da prática do infanticídio indígena, o desinteresse e resistência destas entidades em lidar com tal situação é questão crítica e alarmante.

A ATINI – Voz pela Vida não acredita que o fim da prática do infanticídio ocorrerá mediante a punição dos indígenas, como ocorre no presente caso. A mudança de uma tradição é muito mais complexa e envolve esforços de conscientização para que haja, de fato, uma internalização da nova prática cultural que respeite os direitos humanos. No entanto, deve-se pensar na possibilidade de punir por omissão de socorro aqueles agentes que têm conhecimento de que determinada prática tradicional nociva ocorrerá e não a noticiam aos órgãos competentes, cumprindo assim o seu dever legal. Tal punição foi proposta, originalmente, no Projeto de Lei 1.057/07, redigido pela ATINI.

Muito embora a lei esteja sendo cumprida e o devido processo legal respeitado, no caso, questiona-se: o Estado, sempre omisso em relação ao infanticídio indígena, surdo ao clamor de diversos pais e mães que gostariam de encontrar alternativas para mudar esta prática, prenderá todos os indígenas responsáveis por infanticídio nas aldeias e cidades do país? Ou despertará para elaborar políticas públicas para erradicação do infanticídio entre indígenas, por meio de informação preventiva, orientação e proteção às crianças impossibilitadas de conviver em suas comunidades por qualquer razão?

Portanto, a ATINI – Voz pela Vida comunica que impetrou Habeas Corpus em favor da bisavó da bebê, a indígena Kutsamin Kamayurá, e espera que este episódio sirva para conscientizar a população indígena e não-indígena sobre a realidade do infanticídio, bem como sobre a responsabilidade que o Estado tem de erradicar tal prática, por meio de políticas públicas que possibilitem às famílias indígenas os meios para poderem criar seus filhos com dignidade.